sexta-feira, 27 de maio de 2011

“Estamos condenados à liberdade”

O existencialismo
O existencialismo foi uma das correntes filosóficas mais importantes da segunda metade do século XX, devido especialmente ao filósofo francês Jean-Paul Sartre.
Este pensamento tem como fundamento o reconhecimento da existência frente à essência, ou seja, antes de sermos qualquer coisa – humana ou não humana – o que faz sermos algo é nossa existência durante o nosso tempo de vida.
Apesar de ter alcançado um grande desenvolvimento no século XX, as origens do existencialismo remontam ao século XIX, com filósofos como Kierkegaard, Nietzsche e Husserl, mais preocupados com a realidade concreta do cotidiano humano do que com as ideias produzidas por esse cotidiano. Os trabalhos desses filósofos influenciaram diretamente, além de Sartre, o pensamento de Martin Heidegger e de Maurice Merleau-Ponty, no século XX.
A filosofia existencialista se divide em duas tendências: a cristã e a humanista. Aqui, vamos nos deter ao existencialismo humanista, que recebe essa denominação em razão da afirmação absoluta do homem. Isso significa que, para este pensamento filosófico, o homem é definido por sua existência e ela é finita, daí a necessidade de se construir o devir e ser consciente de suas ações.
Sartre: a filosofia da existência
Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, França, no dia 21 de junho de 1905.
Graduou-se em Filosofia na Escola Normal Superior entre 1924 e 1928, onde conheceria Raymond Aron (1905-1983), o sociólogo francês mais importante de sua geração, e Simone de Beauvoir (1908-1986), companheira e colaboradora de Sartre.
Foi nomeado professor de Filosofia em Havre no ano de 1931. Durante os anos de 1933 e 1934, fixou-se em Berlim como professor do Instituto Francês. De volta à França, lutou na Segunda Guerra Mundial em 1939, ficando prisioneiro no ano seguinte e sendo libertado em 1941.
Merleau-Ponty (1908-1961), visitou os EUA em 1945, como jornalista. A partir da década de 1950, aderiu ao comunismo. Em 1960, visitou o Brasil, onde conferiu uma palestra na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, interior do estado de São Paulo. Na plateia estava, entre outros, o então jovem sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que viria a ser presidente do Brasil.
Além de filósofo, escreveu obras literárias e peças de teatro. Entre suas obras mais importantes destacamos A imaginação, A transcendência do ego, A náusea, O ser e o nada, O existencialismo é um humanismo e Crítica da razão dialética. Sartre faleceu em 15 de abril de 1980.
O ponto de partida de Sartre é o básico do existencialismo: a existência precede a essência, de forma que o homem só pode “ser” existindo, ou seja, vivendo. Isso esgota qualquer predefinição do ser humano. Assim, Sartre nega qualquer espécie de teoria sobre a natureza humana e até mesmo a crença em Deus, pois, para esse pensador francês, o homem existe para si, isto é, ele não foi criado por nenhuma essência preexistente. Daí o seu existencialismo ser também um humanismo.
Nessa concepção ontológica (o “vir a ser” ou o “devir”) de que a existência precede a essência, podemos constatar que o homem parte do nada, daí a liberdade ser uma condição permanente da espécie humana. Como afirma Sartre, “estamos condenados à liberdade”. A existência em si é definida, em princípio, pelo nada, ou seja, pelo não-ser; tudo está por ser feito e o homem será o futuro que puder construir.
Só que a obrigação de ser livre gera uma angústia no homem, pois escolher uma atitude ou ter uma decisão significa eliminar outras. E mesmo que o indivíduo tenha má fé, ou seja, mesmo que ele tente voluntariamente negar para si as suas escolhas, não há como escapar de sua liberdade de decisão quanto ao seu rumo.
A responsabilidade também faz parte do pensamento sartreano, pois ela é decorrência da liberdade do homem e significa que toda atitude tem consequência para com tudo que o cerca; daí a necessidade de o ser humano agir corretamente.
Com o existencialismo, a crítica à filosofia essencialista alcançou seu apogeu.
Para Sartre, (...) só as coisas e os animais são “em si”, isto é, teriam uma essência. O ser humano, dotado de consciência, é um “ser-para-si”, ou seja, é também cons-ciência de si. Isso significa que é um ser aberto à possibi-lidade de construir ele próprio sua existência. Por isso, é possível referir-se à essência de uma mesa (aquilo que faz com que uma mesa seja mesa) ou à essência do animal (afinal, todos os leões têm as características próprias de sua espécie), mas não existe uma natureza humana en-contrada de forma igual em todas as pessoas, pois “o ser humano não é mais que o que ele faz”.
ARANHA, M. L. A., MARTINS, M. H. P. Temas de filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2005, p. 39.

A questão do conhecimento nos séculos XIX e XX Neste capítulo, veremos duas correntes filosóficas que se opuseram ao essencialismo característico da F

O materialismo histórico

Karl Marx: primeiras considerações

Karl Marx nasceu em Trier (Alemanha), no ano de 1818. De origem judia, seu pai converteu-se ao luteranismo por causa do antissemitismo crescente na época. O jovem Marx, contudo, não manteve sua religiosidade por muito tempo. Estudou Direito na Universidade de Bonn e de Berlim e doutorou-se na Universidade de Iena, em 1841, com uma tese sobre a filosofia da natureza, de Demócrito e de Epicuro.

Após uma fracassada experiência editorial na Alemanha, Marx estabeleceu-se na França até 1845, quando foi expulso por causa de suas atividades políticas vinculadas ao nascente e crescente movimento socialista.

O pensador alemão passou então a viver em Londres, onde permaneceu até sua morte, em 1883.

Entre as principais obras de Marx estão A ideologia alemã, O manifesto do partido comunista (essas duas escritas em parceria com Friedrich Engels), A miséria da Filosofia, O dezoito brumário de Luis Bonaparte, Contribuição à crítica da economia política e O capital.

As ideias desse pensador foram responsáveis por um amplo movimento que ficou conhecido como marxismo. Este movimento se manifestou tanto de maneira prática como teórica. Na prática, foi fundamental para a ocorrência de revoluções socialistas. No aspecto teórico, sua influência foi de tal maneira que diversas áreas do conhecimento acadêmico, como a História, a Economia, a Política, a Sociologia, a Antropologia e, certamente, a filosofia, estão marcadas até hoje pelas ideias desse intelectual.

A Filosofia como ação transformadora

A filosofia de Marx é conhecida como materialismo histórico ou materialismo dialético. A força desse pensamento reside na combinação de três grandes correntes intelectuais da época: a filosofia alemã, a economia política inglesa e a teoria política francesa. Da filosofia alemã, Marx parte do idealismo de Hegel, de quem também extrai a dialética; contudo, Marx rompe com Hegel, afirmando que ele teria enxergado a realidade de cabeça para baixo, ou seja, de maneira invertida.

O materialismo de Marx se fundamenta no princípio de que a realidade não é algo imutável, mas sim um processo histórico permanente, que obedece a uma lei baseada no fato de que o processo histórico está acima da vontade dos indivíduos e é determinado pelas condições materiais; daí sua filosofia ser conhecida como materialismo histórico.

É nesse sentido que Marx também rompe com o “idealismo hegeliano”. No lugar do “idealismo dialético” de Hegel, ele emprega o materialismo histórico dialético. Para compreender o homem em suas relações com outros homens e com o mundo, é preciso partir da análise do concreto, ou seja, das ações humanas concretas, e não das ideias que os homens fazem a respeito de si. No Prefácio da contribuição para a crítica da economia política, Marx escreveu: “Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência.”

Com esse pensador, a questão da ideologia tomou ares críticos e passou também a ser aceita por vários filósofos após Marx. E olha que nem todos concordavam inteiramente com a sua filosofia! Mas a sua formulação de ideologia é realmente bastante elucidativa. De uma maneira bastante geral, podemos afirmar que a ideologia é um conjunto de ideias, de pensamentos e de representações que os seres humano produzem sobre a realidade com a qual convivem. Essas ideias são utilizadas no dia a dia para orientar as discussões, que podem, por exemplo, ser políticas, ou de qualquer outra natureza.

A crítica de Marx é sobre a concepção dessa ideologia, ou seja, como ela surge. Contrariando a filosofia existente até então, Marx afirma que a ideologia é um reflexo das relações materiais que os homens estabelecem para sobreviver e que, portanto, ela não está acima da humanidade. A ideologia não pode ser tomada como algo metafísico, ao contrário, ela deve ser tomada como resultado dos esforços concretos, materiais, que a humanidade realiza para a sua reprodução. A ideia não antecede o homem, mas é sua criação.

As ideologias servem como orientação para os mais variados modos de se viver e, quando são apropriadas indevidamente por alguns grupos específicos (e isso ocorre com frequência), acabam se tornando modos de dominação. Segundo Marx, esse é o maior problema das ideologias generalizantes.

Marx tem uma outra concepção de Filosofia, qual seja, a de que ela deve possuir o caráter da transformação, da prática; trata-se da filosofia da práxis, isto é, a filosofia como ação transformadora. No livro A ideologia alemã, ele e Engels escreveram: “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; mas o que importa é transformá-lo.”

Partindo da preocupação com as bases materiais de produção através das quais os seres humanos se relacionam e constroem-se, Marx enxerga o processo histórico como uma luta de classes sociais entre a classe dominante, que detém os meios de produção, e a classe dominada, que possui a força de trabalho. Essa luta de classes sociais se configura em modos de produção situados historicamente. Assim, temos os modos de produção asiático, escravista, feudal e capitalista. Todos possuem forças produtivas que se refletem nas relações sociais de produção, em que a exploração da força de trabalho é uma constante. Voltaremos a essas e outras questões do marxismo em Sociologia. Por enquanto, basta percebermos que, com Marx, a Filosofia ganha outros ares investigativos e outras preocupações.

Quando o teórico elabora sua teoria, (...) [ele] julga estar produzindo ideias verdadeiras que nada devem à existência histórica e social do pensador. Até pelo contrário, o pensador julga que com essas ideias poderá explicar a própria sociedade em que vive. Um dos traços fundamentais da ideologia consiste, justamente, em tomar as ideias como independentes da realidade histórica e social, de modo a fazer com que tais ideias expliquem aquela realidade, quando na verdade é essa realidade que torna compreensíveis as ideias elaboradas.

CHAUI, M. O que é ideologia. 38. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 10-11. (Coleção “Primeiros Passos”)