sexta-feira, 8 de abril de 2011

Os sentidos e a razão


O “estagirita”

Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira, atual Macedônia, e foi o mais ilustre discípulo de Platão. Seu pai, Nicômaco, foi médico do rei Filipe da Macedônia que, por sua vez, era o pai de Alexandre, o Grande (realizador de um dos maiores impérios da história da humanidade), de quem Aristóteles foi professor. Em 340 a.C., alguns anos após a morte de seu mestre, Aristóteles fundou em Atenas a sua própria escola, chamada Liceu. Em 323 a.C., ano da morte de Alexandre Magno, Aristóteles foi levado ao tribunal por motivos religiosos. Foi condenado, mas, ao contrário de Sócrates, aceitou o banimento e morreu no ano seguinte.

Esse pensador, que era extremamente sistemático e metódico, filosofou basicamente sobre todos os assuntos já pensados por seus antecessores (os pré-socráticos, Sócrates e Platão). Estudou sobre a natureza do homem, pesquisou as formas de governo e as razões da política e pensou até sobre a poesia, que, segundo ele, é o gênero literário mais próximo da filosofia, além de estabelecer as primeiras regras para o estudo da lógica. Contudo, nesse primeiro momento vamos nos concentrar na sua teoria do conhecimento.

A importância dos sentidos para o conhecimento

O ponto de partida para conhecermos a filosofia de Aristóteles vem de sua discordância em relação à teoria do conhecimento proposta por Platão, que afirmava ser necessário ao filósofo ater-se ao estudo do mundo das ideias (mundo inteligível). Para Aristóteles, a “alma” não está separada do “corpo”, mas é um componente dele. Colocando de outra forma: o conhecimento é percebido pelos sentidos e, então, elaborado pela razão. Existe uma interação entre os sentidos e a razão. Segundo Jostein Gaarder,

Aristóteles achava que Platão tinha virado tudo de cabeça para baixo. Ele concordava com seu mestre em que o exemplar isolado do cavalo “flui”, passa, e que nenhum cavalo vive para sempre. Ele também concordava que, em si, a forma do cavalo era eterna e imutável. Mas a “ideia” cavalo não passava para ele de um conceito criado pelos homens e para os homens, depois de eles terem visto um certo número de cavalos. A “ideia” ou a “forma” cavalo não existia, portanto, antes da experiência vivida. Para Aristóteles, a “forma” cavalo consiste nas características do cavalo, ou seja, naquilo que chamaríamos de espécie.
(...)
(...) Para Platão, o grau máximo de realidade está em pensarmos com a razão. Para Aristóteles, ao contrário, era evidente que o grau máximo de realidade está em percebermos ou sentirmos com os sentidos. Platão considera tudo o que vemos ao nosso redor na natureza meros reflexos de algo que existe no mundo das ideias e, por conseguinte, também na alma humana. Aristóteles achava exatamente o contrário: o que existe na alma humana nada mais é do que reflexos dos objetos da natureza. Para Aristóteles, Platão foi prisioneiro de uma visão mítica do mundo, que confundia as ideias dos homens com a realidade do mundo.
O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p. 122-123.

Assim sendo, o filósofo deve buscar o conhecimento daquilo que realmente existe partindo de conceitos que exprimem nossas ideias sobre o mundo sensível. E, para não cair no mesmo jogo de palavras que os sofistas faziam, faz-se necessário realizar uma classificação das palavras, pois elas formam as afirmações que conduzem ao conhecimento.

As palavras são classificadas por categorias e estas são cerca de 10: substância, quantidade, qualidade, ação, paixão, relação, lugar, tempo, posição e estado.

Contudo, Aristóteles observou que a questão da transformação era muito importante e elaborou as noções de ato e potência. O ato seria o estado atual do ser, enquanto a potência seria aquilo em que o ser se transforma (“devir”), sem que deixe de ser o mesmo. Assim, uma criança é um ato enquanto criança, mas enquanto potência será um adulto, sem deixar de ser um humano.

As transformações e o movimento são os responsáveis pelo modo no qual as potências se tornam atos. E para Aristóteles isso não ocorre por acaso, pois sempre há uma causa. Consequentemente, existem quatro causas: material, formal, motriz (ou eficiente) e final. Assim, tomemos como exemplo uma estátua: o mármore seria a causa material; um modelo para o artista realizar o seu trabalho de esculpir a estátua seria a causa formal; o escultor, a causa motriz (ou eficiente); e, por fim, exibir a estátua seria a causa final. Lembramos que esta causa é a mais importante para que a potência se transforme em ato.

Feito o estabelecimento dos conceitos e de como ocorrem suas mudanças, o passo seguinte é como utilizar os conceitos de forma a produzir o verdadeiro conhecimento. Assim, os conceitos devem se relacionar gerando proposições (afirmações) que, por sua vez, geram os silogismos (em grego, “cálculo” ou “reunião de raciocínio”), ou seja, o verdadeiro conhecimento. Voltaremos aos silogismos quando falarmos sobre a lógica.

A obra na qual Aristóteles tratou de classificar os conceitos abstratos como “pensamento”, “piedade” e “bem”, entre outros, ficou conhecida como Metafísica, ou seja, “aquilo que vem depois da física”. Lembre-se de que a grande questão para ele era conseguir apreender o “Ser enquanto Ser”, isto é, apreender o Ser em sua substância, e não lhe dar um sentido meramente transcendental.

Uma última questão: Platão e Aristóteles, cada qual à sua maneira, desenvolveram a ideia de que existe uma essência humana universal e, portanto, todas as pessoas tendem a fazer aquilo que é inerente ao ser humano; quando, por alguma razão, isso não acontece, a explicação possível é que ocorreu um acidente que, aliás, deve ser consertado. Segundo afirmam Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Martins,

Para Platão (...), a verdadeira realidade encontra-se no mundo das ideias, lugar da essência imutável de todas as coisas. Todos os seres são apenas cópias de tais arquétipos e se aperfeiçoam à medida que se aproximam desse modelo ideal. Assim, mesmo existindo inúmeros tipos de pessoas, a ideia de humanidade é uma e imutável.

Para Aristóteles (...), todo ser tende a tornar atual a forma que tem em potência. Por exemplo: a semente, quando enterrada, transforma-se no carvalho que era apenas em potência. Quando essa ideia é transposta para os seres humanos, conclui-se que também eles têm formas em potência a serem atualizadas, ou seja, a sua natureza essencial se realiza aos poucos, em direção ao pleno desenvolvimento daquilo que eles devem ser. Tanto para Platão como para Aristóteles, a plenitude humana coincide com o aperfeiçoamento da razão.

Temas de Filosofia. 3. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2005, p. 38.