terça-feira, 15 de março de 2011

O nascimento da filosofia

Apesar de podermos utilizar a palavra filosofia de um modo amplo, a filosofia propriamente dita nasceu na Grécia Antiga, no século VI a.C. A origem da palavra vem do grego philosophia, cujo significado é “amigo do saber” (philo = amigo e sophia = saber).

Como já vimos, a filosofia tem o uso da razão como instrumento para obter o conhecimento (razão, em grego, é logos). A característica principal do uso da razão pelos filósofos é o fato de que ela é capaz de esclarecer de maneira sistematizada as questões a serem solucionadas.

Mas por que a filosofia surgiu na Grécia? Uma resposta possível é a de que os gregos tinham uma relação muito “pessoal” com seus deuses, enquanto esses deuses eram a reprodução da figura humana, ou seja, continham as virtudes e os defeitos dos homens. Perceba que sua própria mitologia aproximava os gregos de uma maior preocupação com a figura humana. Essa centralização no humano fez com que, lentamente, a mitologia fosse dando lugar a um pensamento mais focado no logos, isto é, na razão.

Em outras palavras: alguns gregos, por volta do século VI a.C., sentiram a necessidade de encontrar algo mais concreto para explicar o mundo que os cercava, pois já não lhes satisfazia as explicações fantasiosas dos mitos. Era o ser humano preocupado em conhecer; começava assim uma longa jornada de desenvolvimento da razão, que se estende até os nossos dias.

Os primeiros filósofos gregos

Os primeiros filósofos começaram a se destacar na Grécia no século VI a.C. (600-501 a.C.). Sua preocupação essencial era explicar a origem e o funcionamento do mundo exterior, por isso são conhecidos como “filósofos da natureza”, pois suas inquietações iam mais na direção da compreensão e da explicação dos fenômenos da natureza do que da essência humana. O primeiro filósofo grego que se concentrou na análise do ser humano foi Sócrates, já no século V a.C. Em função disso, todos os filósofos gregos anteriores a ele são incluídos no grupo dos pré-socráticos, não apenas por estarem situados cronologicamente antes de Sócrates, mas por terem uma preocupação em comum: a natureza (e não o homem).

Tales de Mileto é considerado o primeiro filósofo pré-socrático e, portanto, o primeiro filósofo grego. Ele pertenceu ao grupo dos filósofos jônicos, assim como Anaximandro, Anaxímenes, Anaxágoras, Empédocles e Heráclito. Outro pré-socrático de destaque foi Pitágoras, pertencente à escola itálica. Mas ainda devemos destacar os representantes da escola eleática, como Xenófanes, Parmênides e Zenão, além dos integrantes da escola atomista, Leucipo e Demócrito.

Explicar a origem do mundo de forma racional é a função da cosmologia (“estudo do mundo”), que substituiu a cosmogonia (explicação do mundo por meio dos mitos). Para os filósofos pré-socráticos, a grande questão era saber como por meio do caos (desordem) foi possível a criação do cosmos (mundo). Esses pensadores acreditavam que o princípio (em grego, arché) de todas as coisas seria a razão explicativa para a ocorrência dessa transformação. A água, o ar, o átomo ou a combinação de água, terra, fogo e ar foram algumas das respostas dadas por esses filósofos. Esses elementos seriam a manifestação física da arché, ou seja, a physis (forma). Essa teoria se contrapunha às explicações mitológicas, que se baseavam na ideia da criação do mundo a partir do nada. Porém, é importante ressaltar que a passagem do pensamento mítico para o racional-lógico se deu de maneira lenta, pois é possível encontrar resquícios de mitologia nos filósofos pré-socráticos.

Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia

Para alguns filósofos pré-socráticos, uma questão ainda persistia: como um princípio físico podia dar origem a diversas coisas? A explicação para essa pergunta está na kinesis, isto é, no “movimento” ou “transformação”. É o que chamamos de devir. E os filósofos que se destacaram para ilustrar essa explicação foram Heráclito, da cidade de Éfeso, na Jônia, e Parmênides, natural de Eleia, hoje território italiano.

Heráclito (540 a 470 a.C., aproximadamente) buscava entender a multiplicidade das formas reais e, para isso, entendia que o movimento é algo constante, impulsionado pela luta de forças contrárias (por exemplo, o bem e o mal, o quente e o frio, a ordem e a desordem); tudo se transforma, mesmo que não seja observável pelos nossos sentidos, que seriam limitados para verificar o movimento que possibilita a existência. Como afirmou: “Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”, pois esse rio muda pelo movimento de suas águas e o homem também se transforma pelas mudanças, não só orgânicas como psicológicas. Resumindo: “tudo flui”.

Parmênides (530 a 460 a.C., aproximadamente), crítico de Heráclito, afirmava que seria impossível acreditar que o movimento fosse uma constante, pois uma coisa ou um ser não podem “ser” e “não-ser” ao mesmo tempo. Para questionar o exemplo do rio, Parmênides concluiu que o movimento não pode ser desprezado e tampouco superestimado, pois o movimento só existe para o mundo sensível, ou para os nossos sentidos, enquanto para o mundo inteligível, ou seja, para o mundo das ideias (a razão), o movimento é ilusório, pois todo ser tem sua identidade que não pode ser contrafeita. Resumindo: “as coisas que existem fora de mim são idênticas ao meu pensamento, e o que eu não conseguir pensar não pode ser realidade”.

Heráclito e Parmênides inauguraram uma discussão que passou a ser um dos grandes desafios para os filósofos gregos que viveram depois deles, em especial, Platão e Aristóteles. O conhecimento verdadeiro passa pelos sentidos para chegar à razão ou só pode ser formulado diretamente pela razão? O que vemos, tocamos e sentimos, de uma maneira geral, são apenas ilusões? Se a razão por si só é a fonte de toda sabedoria, isso quer dizer que já nascemos sabendo, ou seja, que o conhecimento é inato? As respostas possíveis a essas questões orientarão praticamente toda a história do pensamento filosófico, chegando, inclusive, até nossos dias.